Eu odeio Bon Jovi (Nevermind...)
- Juliano Corrêa
- 14 de jun. de 2024
- 7 min de leitura

Como parece ter virado um costume meu (deve ser tentativa de viralizar isso, né!), este título é enganoso. Você que talvez seja fãzoca de Bon Jovi e cante a plenos pulmões “Living On A Prayer”, pode estar pensando: “ufa, que alívio! Você não odeia Bon Jovi”. Então, não é bem assim também. É que eu, até como um tipo de marca minha, costumava falar aos quatro ventos que o odiava. O motivo era duplo: o primeiro, meio pré-consciente, é que eu sabia a quantidade de pessoas que amavam, aí eu fazia de propósito mesmo, por razões que eu teria de escrever (e não vou) outro texto inteiro sobre isso; o segundo motivo, é porque eu não gosto mesmo! Só que a gente muda (que bom!) quando vai ficando velho né. Dessa forma, hoje eu não odeio mais (não saio do recinto ou começo um discurso histericozinho raivoso quando toca uma música dele como fazia), mas tampouco gosto: só sou indiferente, não me agride mais e reconheço o talento, só não é para mim. Assim, esta crônica não é nada sobre Bon Jovi (aí é o golpe!). É, na verdade, sobre outro ódio bem diferente.
1991 foi um ano de vários lançamentos clássicos, inclusive com pouco espaço de tempo entre eles. O mais importante, sem dúvida, foi o segundo disco do Nirvana, Nevermind, com a famosa capa, altamente provocativa, do bebê pelado (que quando adulto processou a banda) no fundo de uma piscina com uma nota de dólar presa num anzol flutuando na sua frente. Nevermind é um daqueles LPs definidores e revolucionários: deu novos rumos ao rock. Há discos que inauguram algo na produção musical, como Tommy, do The Who, ou, maior exemplo de todos, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles (muito também por ser dos Beatles). Há outros, muitas vezes não é um apenas, que começam algo ainda maior: a expressão do instante, a voz de pessoas (geralmente as jovens) num contexto, como foi com o punk, por exemplo.[1]
Não é questão de gosto (Sgt. Pepper’s, por exemplo, não é meu disco preferido dos Beatles, nem o segundo, nem o terceiro...), todos têm de reconhecer a importância: Nevermind iniciou o grunge que (com tantas bandas tão boas...) foi a representação da juventude da época (os “movimentos” são sempre dos e para os jovens, né?), além de ter atualizado os caminhos do rock.
Pois bem, além do Bon Jovi, eu também odiava o Nirvana com todas as minhas forças e, com exceção do Pearl Jam, todo o grunge. Não sei, não me pegou (na época). Era bem preconceito: eu não dava espaço para aquele estilo e música, numa atitude conservadora mesmo, como se estivessem roubando o espaço das “minhas bandas” que já nem existiam mais (é uma das coisas mais loucas esse tipo de posição, não?). Além disso, uma extrema dificuldade com o novo, que eu tenho convicção que temos. Fato é que senti um grande alívio quando ouvi a notícia, fez 30 anos em abril, de que Kurt Cobain havia se suicidado (que feio isso né! Eu deveria fingir ser bonzinho); pensei: finalmente isso terminou!
Eu já escrevi várias vezes: (que bom que) a gente muda! Em tudo! Da minha parte, eu deixei dessas besteiras. É claro que eu continuo tendo minhas preferências (e sim, continuam, na sua maior parte, antigas!) e, certamente, muitas asneiras eu ainda carrego que só vou reconhecer no futuro...; porém, eu gosto muito mais de coisas atuais do que gostava no passado, e também já não odeio artistas por este motivo: reconheço talentos, até admiro, mesmo que não coloque para ouvir. Hoje, eu brigo com quem tem a atitude que eu tinha! Eu abracei o novo de forma bem mais tranquila, até como certo tipo de concepção de vida, e, com isso, ganhei liberdade e mais qualidade e abrangência no que penso e sinto sobre música e tudo mais. Atualmente, eu odeio artistas (e gente de qualquer área) por outros motivos...
Juntamente desse processo, já faz um tempo que eu desenvolvi um hábito prazeroso para mim: fazer audições completas de álbuns de artistas que eu gosto, mas nunca havia me aprofundado. Só que também faço dos que não conheço e que, em algum instante muito especial, fico curioso de experimentar (gostar ou não gostar é secundário – o que vale também para escritores, teóricos, etc.). Um dia, já dispensado de fidelidades sem sentido, tive vontade de ouvir Nevermind inteiro, afinal, um clássico que eu nunca tinha tido conhecimento! Nossa... eu fiquei apavorado (no melhor dos sentidos). Estupefato (palavra mais chique).
Uma coisa foi até engraçada: das treze músicas do disco, as seis primeiras são muito familiares. Não só para mim, para todos! (Se não são para você, você é bastante jovem, ou um pouco – muito né, na verdade – alienado neste campo). Eu ficava ouvindo (algumas eu não reconhecia o nome), e ia pensando, faixa depois de faixa: opa, eu conheço esta música! E nisso, eu estou tirando “Smells Like Teen Spirit”, que é um hino e foi tocada até a exaustão quando do seu lançamento: sinceramente, esta você tem de conhecer, mesmo se alienado for o seu caso. Mas não foi só isso. O disco todo é ótimo! Maravilhoso! De uma energia e qualidade impecáveis. E no final, ainda houve outra grata surpresa. Quando ouvi a última música do álbum (ainda há uma faixa escondida depois), a extraordinária “Something In The Way”, que nunca tinha escutado o título, pensei: espere, eu conheço esta! Mas de onde? Após reflexões (e aquelas forçadas na memória que a gente dá quando quer desesperadamente lembrar de alguma coisa – que geralmente não funciona), tive a resposta: ela faz parte da trilha sonora do último filme do Batman, sabiamente intitulado de The Batman. Aí mexeu com amores profundos meus. Enfim, eu adorei! Um magnífico disco de rock (também por tudo que o envolve).
E o que fica disso? Muita coisa né. A mais óbvia, é que tive, e tenho a partir de agora, acesso a algo novo para mim, uma música sensacional. É sempre bom quando descobrimos coisas novas e boas, não é? Evidentemente, eu fui ouvir o disco seguinte, In Utero, que também é ótimo e, infelizmente (eu digo hoje!), é o último. Nele, há a canção (muito boa!) que rendeu polêmica na época; pudera: chama-se “Rape Me”, literalmente “me estupre”. Apesar do mal estar que o título causa, é, na verdade, uma canção antiestupro, como Kurt Cobain explicou a letra em entrevistas na ocasião. Inclusive, é interessante como ele levantava pautas que são muito comuns hoje (muito mais no discurso, mas ainda assim), mas não eram há trinta anos. Ele dizia, por exemplo, que racistas, homofóbicos e machistas não deveriam comprar discos do Nirvana. Enfim, mas é claro que, como muitas vezes acontece, o sucessor não supera Nevermind. Contudo, ficou mais que isso.
Após esta minha “descoberta”, eu fiquei pensando que perdi a valiosa oportunidade de aproveitar tudo isso na hora que estava acontecendo. É diferente quando descobrimos algum artista que já morreu ou que teve seu auge quando nem éramos nascidos, ou seja, há real impossibilidade de ter vivenciado; não, eu estava lá no nascedouro do Nirvana (e do grunge). Ainda assim, confesso que não me bateu arrependimento: talvez, um dos vários motivos possíveis para o meu ódio contra o Nirvana, além dos que já apontei, era que eu não estava apto naquele momento para receber toda aquela novidade (e que foi bem avassaladora); agora, eu estou, mais de 30 anos depois né... fazer o que? Então, está tudo certo. Entretanto, não impede que pensemos em oportunidades que se mostram e que perdemos por não as reconhecer assim; também, que a chances continuam surgindo de novo e de novo, às vezes até as mesmas, mas sempre diferentes. O acaso não tem intenção alguma, ele só (sempre) é: o que será (ou não) feito dele, é conosco. Veja bem: eu não estou indo para aquele tipo de pensamento de que “tudo tem sua hora certa” ou, pior ainda, “o que há de ser será”. Não! Se possível, eu estou falando até o contrário disso: não há hora certa, tempo certo para as coisas de forma predeterminada, é muito mais fluído e dinâmico do que às vezes podemos pensar.
Dave Grohl, vocalista, guitarrista e fundador do Foo Fighters, banda que eu gosto muito, era o baterista do Nirvana (se você, criança, não sabe). Após a minha “revelação” de Nevermind, eu fui ler sobre Kurt Cobain (muita coisa eu já sabia da época). Claro que a sua história não é exatamente feliz. Só que também podemos pensar (eu fiquei pensando): se ele não tivesse morrido, Foo Fighters talvez não tivesse existido. Teríamos perdido tantas ótimas canções! Mas teríamos ganhado (não eu naquela fase) com a sequência do Nirvana; o que será que eles teriam feito? Por mais clichê que seja (e é!), parece que sempre ganhamos por um lado, e perdemos por outro (ou vice-versa, o que dá no mesmo!). Além disso, e talvez mais importante, não temos como saber, ao menos na nossa realidade, o que perderíamos ou ganharíamos. Da maneira que eu vejo, esta é uma condição universal (não acredito em videntes), por isso nos deparamos com esse tipo de drama o tempo todo nos atendimentos psicanalíticos. É um drama sim, mas é (ou pode ser) altamente criativo, enriquecedor e, na sua medida, curativo.
Eu também soube que quando Kurt Cobain compôs “Smells Like Teen Spirit” ele estava tentando fazer música como o Pixies, banda alternativa norte-americana. Na verdade, isso se percebe em toda a sonoridade do Nirvana: o modelo de som leve, seguido de som pesado, seguido de leve, e por aí vai se repetindo. Ora, eu adoro (e esta eu sempre adorei) Pixies! Aí, eu também fiquei pensando que a gente vai de um lado para o outro, se apega a alguns, detesta outros, mas, muitas vezes, as coisas não estão tão longe uma das outras como pensaríamos ou gostaríamos que estivessem. Refletindo hoje, eu acho até estranho eu adorar Pixies e odiar Nirvana naquela época. Mas nós não somos feitos de paradoxos?
Por último do que pode ficar disso (mas só das poucas coisas que estou colocando, com certeza tem muito mais!): o que será que eu poderei descobrir amanhã? Como diz a derradeira canção de Nevermind, “alguma coisa no caminho”. É assombroso, porque misterioso, mas talvez essa seja a graça da vida (ela tem de ter alguma né!). Seja como for, e ainda que ódio tenha se tornado agora uma palavra forte demais para isso, eu continuo não gostando de Bon Jovi.
Março, 2024.