top of page

Quanto tempo passou?

Foto do escritor: Juliano CorrêaJuliano Corrêa

Não faz muito tempo, contei determinada situação para uma pessoa especial. Era uma história na qual eu reclamava a demora para um acontecimento, mesmo que este fosse inesperado. Ela objetou: “mas não foi tanto tempo assim”. Eu não respondi; talvez por ela ser especial, mas principalmente porque meu pensamento é lento: tendo a pensar as coisas a posteriori, o que já é interessante para o tema desta crônica, pois remete ao conceito psicanalítico da temporalidade (mas não vamos tratar das questões técnicas neste momento).

Eu sempre falei em sala de aula, quando tratávamos da clínica psicanalítica, que tudo o que se faz no consultório tem de estar amparado por uma justificativa técnica. Para mim, isso é essencial: qualquer outra atitude que esteja em nome de outras questões (como as pessoais), não é válida de forma alguma. E eu falava sobre vários elementos gerais que da clínica que podem soar estranhas num primeiro momento, mas que têm um respaldo técnico; é por isso que fazemos. A única coisa, sempre disse, que não tem sustentação técnica é o tempo que dura a sessão psicanalítica. Por que 45 ou 50 minutos? Por que não uma hora inteira? (E caberia também, por que uma hora?). Simplesmente não há argumento para isso.

Como muitas situações na psicanálise, existem lendas sobre: que era o tempo que Freud levava para terminar um charuto, que era o tempo que seu cachorro se levantava para fazer suas necessidades... Enfim, não há provas disso. A versão que me parece mais real que eu li, é de que Freud, que fazia sessões de uma hora, para encaixar um paciente no seu dia que já estava cheio, tirou 10 minutos de cada um, abrindo espaço para um novo atendimento. Vai saber. A decisão pelos 45 minutos é mais estranha ainda (devem ter se inspirados pelos tempos das partidas de futebol). O que estou repetindo é: não há motivo técnico algum para esses tempos de sessão.

O único manejo do tempo que tem uma razão de ser é o tempo lógico proposto por Lacan. O tempo do inconsciente (que é bem diferente do tempo cronológico) para fazer o corte, aquela coisa toda. Não vou explicar isso porque não é maneira que trabalho; só reconheço ser a única que tem sentido temporalmente. Particularmente, eu não costumo respeitar esses tempos, tendo a chegar perto de uma hora inteira, a não ser nos casos em que uma rigidez de horário se faz necessária. Quer dizer: não gosto de ficar enchendo linguiça para “dar o tempo” da sessão, assim como não me agrada interromper um pensamento intenso porque “o horário chegou”. Eu já conversei com muitos lacanianos que trabalham com o tempo lógico, pois queria esclarecer minha grande dúvida: como isso pode funcionar na prática, na realidade em que estamos envoltos por nossos compromissos e horários cronológicos. Já escutei várias explicações, mas nenhuma me foi suficiente (algumas, inclusive, bem duvidosas quanto ao manejo do funcionamento do conceito): acho extremamente difícil a execução de fato com nossa vida toda controlada pelo relógio. O que não elimina em nada a grandiosidade dessa construção, a única, repito, que traz um fundamento técnico para o tempo da sessão.

Freud deixou bem claro no seu importante escrito metapsicológico “O inconsciente”: o inconsciente é atemporal. Ele estava nos dizendo que o tempo do inconsciente em nada obedece ao tempo cronológico da nossa vida diária. A pergunta, importantíssima, que fica é: qual é o tempo do inconsciente/da psicanálise? Bom, se formos ver bem, a sentença de Freud diz que não há tempo no inconsciente, o que é bem mais adequado, como veremos em seguida. De qualquer forma, como já disse, vou deixar essa questão teórica para outros momentos mais adequados: um alicerce principal do meu estudo sobre o acaso é justamente a temporalidade, há um texto psicanalítico já publicado sobre este braço do estudo,[1] logo haverão outros. Por ora, a gente fala do tema de forma mais “descontraída” e um tanto limitada pela proposta. Sempre tem algo a se dizer.

Voltando ao meu ponto inicial, então: o que é muito ou pouco tempo? Talvez seja interessante deixar uma coisa bem clara: o tempo esse que vivemos no nosso dia a dia, com nossos afazeres e organizações, é arbitrário. Horas do dia, dias do mês, meses do ano, anos da década, décadas do século, por aí vai... tudo isso é invenção. E nisso, atribuímos significados que não existem na essência, como já falei em outra crônica.[2] É uma convenção que parece ser necessária para nos situarmos espaço-temporalmente, mas não corresponde à realidade mesmo. Einstein nos mostrou que o tempo é relativo, dependendo da posição do observador, pode passar mais rápido ou mais devagar (o do relógio!). Ele até brincava dizendo que um minuto ao lado de uma bela mulher costumava passar bem mais rápido! (O que eu sempre relacionei, em uma extrapolação, ao estado afetivo influenciando na passagem do tempo: esse momento com a mulher bela/amada poderia passar mais devagar também...).

O tempo ainda continua sendo um grande mistério. É famosa a expressão de Santo Agostinho, de que se ninguém o perguntasse o que é o tempo, ele saberia o que era; porém, se alguém perguntar, ele não sabe responder. Só que ele também disse que o tempo só é tempo porque o medimos, caso não o fizéssemos, seria eternidade (aí ele relacionado com Deus, etc.). Penso que, justamente, o Santo não sabia responder porque tinha compreensão de que esse tempo que medimos não corresponde ao que é o tempo em si: e este é realmente difícil de dizer.

Agora, todos nós, tenho certeza que você também, já passamos por situações/épocas nas quais tivemos a impressão de o tempo “estar passando” muito rápido ou muito devagar, sendo que o tempo cronológico é exatamente o mesmo. E é interessante que essa percepção é bastante individual, não é? Vira e mexe, eu vejo memes sobre meses que não terminam nunca, sabe? Aqueles do tipo: “hoje é dia 58 do mês tal”. Ainda que eventualmente eu concorde, muitas vezes eu não tenho essa sensação de o mês (ou seja o que for) estar demorando tanto assim para passar. Outro exemplo clássico (e bem mais interessante) é o sono: às vezes, parece que fomos dormir há apenas 5 minutos, mas já está na hora de acordar; em outras, sonhamos, acordamos, dormimos de novo, a sensação é de que estamos na cama há alguns dias: mas é recém uma e meia da madrugada. E o tempo do relógio nesses dois casos foi o mesmo. Quanta coisa cabe em um sonho!

Trazendo para o setting psicanalítico novamente, também é uma experiência comum a todos as sessões que parecem durar horas ou passarem em poucos minutos, e isso sem o analista trabalhar com o tempo lógico! O tempo marcado no relógio foi o mesmo. O que faz com que a gente sinta desse jeito? Eu já dei as pistas (inclusive sobre o que não vou falar agora!), com as noções temporais da física, sobretudo as descobertas de Einstein e da mecânica quântica.

É o envolvimento afetivo que modifica nossa noção da passagem do tempo. Melhor: talvez não seja alterar nossa percepção, mas sim nos colocar de fato no que é o tempo. E é bem uma sensação porque o tempo em si não passa! (Em nada tem a ver o fato de envelhecermos). Afinal, Einstein de novo, o espaço-tempo é uma dimensão da realidade, um tecido no qual o passado e o futuro, juntamente com o presente, já existem simultaneamente. Por isso, além do já referido amparo técnico, o tempo lógico de Lacan também é o que mais se aproxima da realidade do tempo – não só do tempo do inconsciente, mas do tempo em sua natureza mesmo (e não deve o tempo do inconsciente seguir essa lógica básica?). A dificuldade que eu vejo de o colocar em prática é, assim, óbvia.

Então, eu não respondi para a pessoa especial que falei no início. Talvez também tenha sido por preguiça. Preguiça porque é um comentário que não se justifica. Se eu, o envolvido no evento, achei que foi muito tempo, é porque foi! Até pela razão de que esse tipo de medida, para se decidir o que é “muito ou pouco tempo”, além de cronológica, traz um julgamento moral, que não é nada desejável.

Quanto tempo você levou para ler determinado livro? Para ouvir determinada música? Para ler esta crônica? É uma pergunta que não faz sentido: você pode ter cronometrado, mas, tomara, mergulhou na história ou na melodia. Pode ter tido o sentimento de que ficou muito ou pouco tempo envolvida, e, assim, o tempo não passou, mas não porque ele parou, e sim pelo motivo de que talvez ele tenha se tornado mais real, um pequeno toque no tecido espaço-temporal.

Espero que você possa ter mergulhado nesta crônica também. Não é disso que se trata para qualquer vivência valer a pena?

 

 

Fevereiro, 2025.






Contato e Informações

Juliano Corrêa - CRP: 07/10176

WhatsApp e telefone

(21) 99417-7999

e-mail

  • Instagram
  • Youtube

Instagram e YouTube

- Atendimento clínico

- Supervisão

- Grupos de estudos

- Cursos

ON-LINE

Toda e qualquer informação, marcação de horário, etc., é feita diretamente comigo.

© 2023 por Juliano Corrêa

bottom of page