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Zona de conforto... essa grande besteira

  • Foto do escritor: Juliano Corrêa
    Juliano Corrêa
  • há 1 dia
  • 5 min de leitura

Esses dias, aleatoriamente, lembrei de uma cena de The Big Bang Theory onde Sheldon, o físico teórico, personagem principal da série, responde, com surpresa, ao ser questionado a deixar sua zona de conforto: “mas por que eu faria isso? É a minha zona de conforto!”. A resposta é óbvia, não?

Pense comigo: você está, num finalzinho de tarde de um sábado de inverno, faz muito frio (em alguns lugares, não faz frio no inverno) e chove uma chuva justa. Você se encontra esparramada no sofá, com um cobertor bem gostoso, uma bacia de pipoca, e está assistindo à sua série favorita. (Você pode adequar essa cena ao seu gosto: trocar a série por um filme, ou música, ou um livro, trocar a pipoca por outra coisa, acrescentar uma lareira, qualquer coisa que ache gostosa). Confortável, né? Você acha que existe alguma lógica de você se levantar e ir andar pelada na rua, no frio e sob a chuva?

Eu sei que meus exemplos são exagerados (há método nisso, mesmo que não pareça), mas não é essa a ideia? O objetivo não é “se desafiar”, “testar seus limites”, e por aí vai?

É uma coisa dessa raça profundamente desprezível de coach, né? E eu falo que é uma gente odiosa não só porque não gosto da “filosofia” desses treinadores (coach é o caralho né! Vamos deixar esse chiquê de lado!), mas porque eles são altamente perigosos! Pessoas sem preparo algum que levam outras pessoas ao limite, seja físico ou psíquico, com o qual não têm a mínima capacidade de dar conta. Pessoas sofrem e até morrem por causa desse tipo de coisa! Por esse ideal de sair da zona de conforto e “provar” algo que a pessoa não está preparada ou, simplesmente, não tem capacidade para fazer. Tipo aquele meme que vi uma vez: “todo o cadáver encontrado no Monte Everest já foi, um dia, uma pessoa motivada, proativa e fora da sua zona de conforto”. É que o mau-caratismo impera né: enquanto as quantias pornográficas de dinheiro de um povo desesperado e ignorante (não por sua culpa) estiver entrando, fodam-se os resultados!

Se alguns dessa corja se autodenominam “quânticos” (isso me dá tanto ódio... queria ouvir um desses explicando a mecânica quântica), Nietzsche é café pequeno né! Digo isso porque me parece que a frase “aquilo que não me mata me fortalece” é um grande mote dessa coisa de sair da zona de conforto no sentido de enfrentar as mazelas e sofrer o sofrimento de maneira heroica. Essa sentença tem a ver com o que Nietzsche chama, na sua filosofia, de amor fati, amor ao destino.

Amor fati fala de aceitar e abarcar todos os aspectos da vida, não é bom ou ruim intrinsecamente, mas que ao enfrentar a dor, que é meio que inevitável na vida, pode se encontrar um sentido, não viver no arrependimento, esse tipo de coisa. Não é “celebração da dor”, de forma alguma: é um dizer sim a vida, com tudo o que ela comporta, desafia, exige. O amor fati está relacionado ao conceito de eterno retorno, aceitar o que foi dado e tirado, remete ao fato de que os todos eventos se inserem em uma lei causal, o que é uma ideia de destino. Consequentemente, está conectado com a noção do Super-homem de Nitzsche, o que se liberta da moralidade de rebanho, pois deus está morto, e cria uma nova ética baseada da afirmação da vida e na busca da experiência individual, uma meta transcendental da humanidade, que consegue aceitar esse tal destino.

O conceito de eterno retorno eu acho muito proveitoso e talvez até indispensável para se discutir a questão da temporalidade, que é de meu interesse primeiro; de resto, eu não me alinho muito com essas ideias, principalmente a de destino, pois é entendido nessa visão como todos os acontecimentos se inserindo em uma lei causal, de causa e efeito (o que afeta justamente a ideia de temporalidade que eu acredito). Nietzsche não daria a menor bola para essas minhas discordâncias, mas acho que ele estaria revirando seu volumoso bigode no túmulo sobre o uso romantizado que foi feito do seu aforismo: “aquilo que não me mata me fortalece” como uma apologia ao sofrimento, que o sofrimento é bom e até necessário, que devemos sofrer porque aí ficaríamos fortes! Ora, além de uma besteira descabida, se isso fosse verdade, que sofrer deixa forte, muita gente por aí já teria se transformado no Hulk!

Eu acho que isso está em nome de um certo “cacoete” que a gente tem de ver as coisas “por baixo”, pelo menor dano. Eu sempre lembro de uma entrevista do Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, para a Marília Gabriela, falando daquele grave acidente (dos tantos!) que ele teve em um show. Ele caiu de uma passarela no palco de uns três metros, sofreu traumatismo craniano e fraturou várias costelas. Ele conta, então, que se tivesse lesionado alguns centímetros para cima ou para baixo, teria morrido ou ficado paraplégico (algo assim, não lembro dos detalhes, mas era grave e ruim). Marília Gabriela, ao ouvir a história, diz: “mas então você teve sorte!”. Ele fica duvidoso; ela completa que poderia ter acontecido algo muito pior. E aí a resposta dele que eu adoro: “é... é que eu poderia não ter caído”. Não é um costume nosso pensar, usando esse caso como exemplo, “que sorte que não morreu”, mais do pensar “poderia não ter caído”?

Aí, você talvez possa estar questionando: “mas Juliano, a psicanálise não trabalha assim? Tirando as pessoas da zona de conforto?”. Sim, imagino que você possa estar falando da ideia de ganho secundário da doença, ou algo do tipo. Mas isso, ou seja o que for que vier nessa ideia, é, na verdade, enganoso em relação ao sair da zona de conforto. Vou explicar.

Eu sempre disse que análise é para quem sofre; continuo acreditando e bancando firmemente essa opinião. Eu nunca gostei desse papo de se tratar para “se conhecer melhor”; reafirmo: se a sua vida está boa, você lida razoavelmente bem com os conflitos que a vida sempre oferece, não vá se tratar para se conhecer melhor! Não há motivo para isso (a não ser que você seja o Arnaldo Jabor). Eu garanto: você não vai encontrar grandes “tesouros” seus; pode ser até que encontre, perceba que é uma pessoa muito melhor, mas isso vai acontecer ao custo de você descobrir um monte de merda sobre você, sobre a pessoa nada legal (para falar o mínimo) que você é. Vale a pena? Justamente: só vale a pena se você está sofrendo.

Então, “zona de conforto”, dessa maneira que geralmente entendemos, é uma ilusão. O ganho secundário na psicanálise é uma zona de conforto ilusória, pois se está muito bem por um lado, o lado que está sendo gratificado, mas se está sofrendo terrivelmente pelo outro, o lado de contato com a realidade exterior.[1] Se é zona de conforto verdadeira, está tudo bem. O que estou dizendo é: zona de conforto existe sim! No entanto, como o próprio nome diz, é confortável, não há motivo para sair dela; essa outra “zona de conforto” que dizem que temos de sair para progredir e sei lá o que, essa zona não é de conforto! Por isso, pelos mais variados motivos, saímos dela em algum momento, visto ela ser enganosa. Ou seja: não é exatamente de conforto; na verdade, ela é bem desconfortável na maioria das vezes.

Se você está quentinha no sofá no dia de chuva, mas tem um rato roendo a sua bunda, você, imagino, não está confortável! Tem de sair dali, fazer alguma coisa. Agora, se está nas cobertas gostosas vendo seu filmezinho, e realmente confortável, fica aí, vai sair na chuva pra que? O máximo que você vai conseguir é pegar uma gripe muito forte, aí, com certeza, ficará muito desconfortável.

 

 

Maio/Junho, 2025






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