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A escolha pelo curso de psicologia

Foto do escritor: Juliano CorrêaJuliano Corrêa

Eu sempre achei (e ainda acho) a escolha pelo curso universitário (para os poucos que podem ter essa escolha) cruel; o sujeito mal está formado como pessoa e tem de escolher a profissão para o resto da vida! Sei que não é assim, pode-se desistir, fazer outro curso, fazer qualquer tipo de coisa. Mas quando se está com 17 anos (meu caso) é sim uma decisão muito drástica.

Eu não tive, de fato, muitas dúvidas. Quando estava na 8ª série do colégio, pensava em fazer administração porque achava legal usar gravata! (Sorte que não fiz né! Como se precisasse de um curso universitário para isso). Jornalismo eu sempre achei muito legal, talvez pela questão da escrita, mas acho que muito mais pela minha irmã ser uma (e das boas!). A psicologia veio para mim como algo natural, mas com as peculiaridades deste “natural”. Eu sempre fiz muitas brincadeiras, inclusive com as minhas alunas do curso de psicologia, sobre quem diz que faz psicologia porque “tem o grande desejo de ajudar as pessoas”. Uma professora minha, no primeiro semestre do curso, disse que a gente fazia psicologia para se tratar. Nossa, todas ficaram estupefatas: “como assim? eu faço psicologia para ajudar/tratar as pessoas”. Independentemente do que ela queria dizer com isso, ela estava certa: é claro que procuramos a psicologia para nos tratarmos. Posso até estar exagerando (tenho certeza que não estou), mas como pode haver uma (boa) psicóloga que não passou por nenhum distúrbio emocional? E com isso quero dizer: conflitos existenciais, sofrimentos anormais, loucuras atuais. É disso que o psicólogo acaba sendo feito, afinal, é com isso (não só! Mas em boa parte) que ele vai trabalhar, deve conhecer bem seu campo. O problema, claro, é se o curso vai seguindo e continua se pensando em se tratar no curso, e não procurar psicoterapia de fato.

Mas voltando, eu dizia para minhas alunas que psicologia é um trabalho com uma série de técnicas, se tu queres ajudar as pessoas, filie-se na Cruz Vermelha! Faça uma doação para uma instituição séria! Afinal, qual profissão não “ajuda” as pessoas? (E eu acho que essa ideia prejudica muito a nossa profissão, desde de sermos ensinados a trabalhar de graça nos estágios, até termos dificuldades de cobrar pelo nosso trabalho, afinal, temos a “obrigação” de ajudar pessoas, o que é uma enorme besteira). Eu dizia isso, claro, muito tempo depois de ter me formado, mas contra a noção de que psicólogo é um tipo de benfeitor, imagem que até hoje eu sou absolutamente contra. Sim, podemos amar nossa profissão, lidar com pessoas (ainda que se possa trabalhar com pesquisa, por exemplo) e tudo mais; porém, é uma profissão que exige técnica, estudo, aperfeiçoamento. Não é sobre “gostar de pessoas”. Muitos entram nesta faculdade desse jeito; não foi o meu caso.

Não que eu não gostasse de pessoas, não é isso. É que eu fui cursar psicologia, vejam só, por causa de Machado de Assis! É verdade! Quando comecei a ter aulas de literatura brasileira no colégio, achava o romantismo chatíssimo, mas me apaixonei pelo realismo e, obviamente, pelo grande Machado (um professor o chamava assim). Comecei a ler todos os seus livros; encantava-me a análise psicológica das personalidades, a indistinção sobre o bem e o mal, a complexidade e riqueza das descrições das personagens e suas ações. Quem pode não se sensibilizar pela ingenuidade de Rubião? Impressionar-se com a jornada de Brás Cubas? Apaixonar-se completamente pelas chinelinhas de alcova de Conceição? Quem pode não se deixar enfeitiçar perdidamente pelos olhos de ressaca de Capitu? Então, por causa disso, eu decidi: vou fazer psicologia.

Eu estou falando de identificação, claro. É o que eu sempre achei (e continuo achando) que guia nossas escolhas (ao menos, as mais bem feitas). Não só isso: há um elemento de acaso intrínseco em qualquer movimento, afinal, é necessário haver o encontro para que possa se estabelecer a identificação. As justificativas racionais, sejam do tipo que forem, são apenas acessórias, para uma mera adequação de causas conscientes que, muitas vezes, nem existem, mas temos de as criar para podermos viver com mais lógica. E vejam bem: apesar de tudo isso, eu estou repetindo a palavra escolha, pois é disso que se trata. É bem diferente daquelas pessoas que dizem, às vezes talvez querendo referir o mesmo que eu, quem sabe por se confundirem com o caráter inconsciente da identificação, “a psicologia/psicanálise me escolheu”. Ora, ora, caro alecrim dourado. Tu és, então, Anakin Skywalker (Darth Vader)? Por ventura, foste o escolhido para trazer equilíbrio à Força? Ponha-se no seu lugar né, por favor.

O processo de seleção na PUCRS era diferente naquela época: para poder prestar o vestibular, tinha-se de passar pelo psicotécnico. Era um processo de três etapas em três dias: uma tarde inteira se submetendo a testes psicológicos de todos os tipos (extremamente cansativo); uma entrevista em grupo; uma entrevista individual. O fato de a PUC ter um psicotécnico prévio ao vestibular era alvo de muitas críticas. “Como podem avaliar quem será um bom psicólogo?”, era o que alguns diziam. Ora, isso é uma asneira: o objetivo não era esse (como poderia?), mas sim avaliar se aquela pessoa estava, naquele determinado momento, em condições emocionais para absorver tudo o que o curso exige; o curso de psicologia não exigente pelas notas (como os de engenharia, por exemplo), mas sim no quesito emocional (já que não se pode impor terapia...). De qualquer forma, foi a minha salvação: eu nunca teria passado em um vestibular para psicologia, era algo em torno de uns 40 por vaga, e eu sou péssimo em provas objetivas. Na época, eu tive a informação que 80% das pessoas não passavam no psicotécnico da PUC, ou seja: depois que passei, a disputa no vestibular era 2 por vaga (2,1 para ser mais exato, lembro disso!), aí eu consegui. Mas o meu processo não deixou de ser interessante (por isso mesmo, também, estou escrevendo sobre isso).

Após aquela tarde fazendo testes que eu não fazia a mínima ideia do que significavam, fui para a entrevista em grupo. Era assim: umas 15 pessoas sentadas em círculo, a psicóloga dizia para escolhermos um assunto para debatermos, fazíamos isso por algum tempo (com ela somente observando). Na rodada prévia de apresentação, eu disse do meu desejo de fazer psicologia por causa do Machado de Assis (uma conhecida que já fazia o curso me deu a única dica para o processo: ser sincero. Levei ao pé da letra!). Na hora de decidir o tema da nossa discussão, uma menina sugeriu “o ser psicólogo” (que eu achei uma merda!). Outro menino disse: “seguindo as ideias aqui do nosso amigo [era eu], sugiro que a gente fale sobre o romantismo” (eu não havia falado nada sobre romantismo!). Na votação, eu e ele optamos pelo romantismo; todos os outros pelo “ser psicólogo”. Claro que eu participei (achava que tinha obrigação), mas realmente não lembro do que falei, talvez por não estar interessado no tema. Explico: ao final do grupo, a psicóloga perguntou o que tínhamos achado; eu disse que achei legal, mas que o tema era meio óbvio (já que estávamos fazendo uma seleção para o curso de psicologia!), e também um pouco falso, pois ninguém ali tinha a mínima ideia do que era ser um psicólogo! Recebi uma chuva de protestos. Cheguei até a pensar: puta merda, não vou passar.

Mas alguns dias depois, eu estava na entrevista individual, e encontrei, ao sair, o meu colega que havia sugerido discutir sobre o romantismo (ele seria o próximo). A psicóloga que fez minha entrevista perguntou muito sobre o meu pai, que havia falecido há menos de um ano; segui a cartilha: 100% sincero. Falei muito sobre Machado de Assis (que fixação né!), e tive uma quase discussão com ela sobre a pronúncia do nome Jung. O suíço, ex-amor de Freud e fundador da psicologia analítica, era o único psicólogo que eu conhecia, isso por causa do último disco do Police, que traz no título (e em duas canções) um de seus conceitos: a sincronicidade (que, diga-se de passagem, é um ótimo livro!). Pronuncia-se “Iung”, mas eu falava “Iâng”, e fiquei falando assim com ela; cada vez que ela dizia o nome dele, do jeito correto, me doía nos ouvidos. Em certo momento, talvez cansada da minha ignorância, ela disse “Iung” e, muito delicadamente, explicou-me: “é com j e u que se escreve”. Eu, do alto da minha soberba sabedoria iletrada, respondi quase irritado: “eu sei”, que teve como complemento na minha mente (e é muito verdade isso): “se tu sabes como escreve, não sei porque estás falando errado”. Saí dali pensando: que psicóloga ignorante que não sabe nem falar direito o nome do autor que ela estuda.

Eu tenho a mais absoluta certeza que daqui a alguns anos eu vou ler coisas que escrevo aqui mesmo neste site e pensar: nossa, como eu era idiota. Eu lembro de tanta coisa que eu pensava e, pior que isso, dizia para todo mundo que eram umas besteiras tão sem cabimento... Há um lado bom nisso: de eu não estar mais dizendo (nem pensando!) absurdos de outrora. Isso significa que a gente evolui (ou, ao menos, temos a capacidade para isso), que a gente aprende, que a gente muda, enfim, que a gente melhora. É uma luta constante para ficar menos idiota. Exemplo disso é que hoje eu já sei pronunciar corretamente o nome Jung.

Fato foi que eu passei. Na verdade (vejam só!), somente eu e o “colega do romantismo” passamos daquela turma da entrevista em grupo: tornou-se dos meus melhores e mais queridos amigos nos anos de faculdade. Dá para pensar: e se eu tivesse feito administração (para usar gravata)? Acho que teria sido um péssimo administrador, talvez nem tivesse concluído o curso, mas a questão é que eu teria tido uma vida completamente diferente, que talvez nunca saibamos o que poderia ter sido. A faculdade foi, disparado, a melhor época da minha vida; essas coisas são mutantes, eu sei, mas não vejo muitas probabilidades de outra época superar.

E viva Machado de Assis!




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