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A época insana

  • Foto do escritor: Juliano Corrêa
    Juliano Corrêa
  • 2 de ago.
  • 4 min de leitura
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Eu já fui aconselhado, e aposto todas as minhas fichas que você também já foi, a não fazer algo ou tomar determinada decisão de “cabeça quente”, no “calor do momento”, a deixar “a poeira baixar”, isto é, a pensar com mais calma para, daí sim, agir da maneira que fosse. É um conselho delicado, não acha?

Há um texto de 1912, “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”, que é delicioso (e essencial!) como todos os do grupo de “Artigos sobre técnica”[1], no qual Freud, dentre tantas outras coisas, fala sobre isso. Ele recomenda que a pessoa não deve tomar nenhuma decisão maior em sua vida (tipo casar, separar, pedir demissão do emprego...) antes do término do tratamento. Pode parecer, no mínimo, estranho: então eu vou ficar 15 anos da minha sem poder tomar nenhuma decisão importante? Claro, temos de contextualizar (como sempre devemos fazer!).

Os tratamentos de Freud duravam muito menos: seis meses, um ano, talvez dois, quando se estendiam. Estou chutando esses períodos, mas é certeza que eram bem mais curtos do que hoje. Há duas razões para isso: Freud atendia seus pacientes seis vezes por semana (só folgava domingo!), o que, vamos combinar, deveria dar um “gás” no andamento; ademais, a psicanálise ainda estava em desenvolvimento, logo, essa noção do tempo que um tratamento leva também estava sendo construída. Em décadas posteriores (1950, 60, talvez até 70), tal atitude se manteve de certa forma. David Zimerman, no seu último livro, descreve uma situação exatamente assim na sua primeira análise. Como ele mesmo comenta, não se tratava de rigidez, mas sim de uma maneira (talvez seguindo à risca os conselhos de Freud?) da época. Hoje, talvez essa atitude de exigir, colocar como condição que o analisando não tome decisões capitais durante o tratamento, não seria nem mais rigidez, mas maluquice mesmo! Afinal, se só se vai agir após 20 anos de tratamento, a vida já terá passado. Aí, a pessoa viveu para se tratar e não se tratou para viver, numa ideia de Winnicott, que é o que deve ser uma análise.

Mas como muitas das recomendações de Freud, elas caducaram obviamente, pois mais de 100 anos se passaram e o mundo gira diferente. Porém, o espírito de suas sugestões continua válido. O que quero dizer é que se um paciente, no auge da emoção com algum evento grave na sua vida (pode ser tanto algo bom, como ruim), decide alguma coisa, nós não falamos para ele, talvez, esperar um pouco para que possamos conversar mais sobre? Eu já fiz isso várias vezes. Parece adequado que uma grande resolução é melhor tomada sendo melhor pensada, não é?

Eu continuo achando que sim, e minha tendência nos meus atendimentos ainda é essa; entretanto, é algo que me faz pensar.

Eu chamo de época insana os momentos da nossa vida em que não estamos raciocinando com tanta clareza, posteriormente sempre percebemos isso. Agora, eu mesmo já tive de tudo: movimentos desses “impensados” que foram uma bosta, mas também outros que deram muito certo; da mesma forma, já resolvi questões após muita deliberação que foram muito acertadas, mas outras vezes resultaram em desastre. Ou seja, não é exatamente uma fórmula matemática que forneça certeza, há muita complexidade envolvida aí. Há, inclusive, gente que diga que o melhor é realizar no fervor da batalha. Vai saber né...

É curioso como muitas das expressões para definir este instante sejam relacionadas ao calor: quente, fervor, o próprio calor. Até me pergunto se tem a ver com o conceito de entropia, no sentido de desorganização. Tecnicamente, não é totalmente correto, pois um alto grau de aleatoriedade não é exatamente “desordem” como entendemos no senso comum; além disso, é muito questionável essa ideia de que o “caos” é algo “ruim”: é um juízo de valor que não corresponde a natureza das coisas. O que é correto, e aí sim tem muito a ver com o nosso tema, é que a entropia marca, pela primeira vez na história da ciência, a irreversibilidade temporal. Puxando para nós: tomou tal atitude, já era, não tem volta. Talvez justamente por isso que exista uma tendência para “pensar melhor” sobre uma deliberação mais crítica.

Digo isso porque eu sinto (você sente também?) que é comum se esperar (às vezes, desejar) que se volte atrás de uma decisão apressada. Contudo... é impossível voltar. Às vezes, seria o caso; em outras, não. O que quero dizer é que, como não há certeza matemática, não tem como saber qual ânimo é o melhor para tomar decisões. A gente sempre tem a avaliação de que esta ou aquela escolha é boa ou ruim, certa ou errada. Mas a verdade mesmo é que nunca temos como saber. Pelo menos, não com absoluta certeza.

“Depois que a onça está morta, todo mundo é caçador”. Já ouviu esse dito? Depois que já aconteceu, é muito fácil (e meio mau-caráter) “prever” o evento. Podemos projetar, mas não podemos ter conhecimento exato do que irá acontecer. Geralmente, falamos que “era óbvio” que tal coisa aconteceria depois que tal coisa já aconteceu! Eu também já empreendi naquele exercício altamente infrutífero de pensar: “e se eu tivesse feito aquela tal coisa que eu tive o impulso de fazer naquele tal momento...” (o mesmo vale para o contrário: “e se eu não tivesse feito...”). A “lógica” disso funciona assim: se a decisão foi boa, a possibilidade de não a ter tomado é um alívio, “olha só do que eu escapei”; já se a ação resultou em catástrofe, a análise geralmente vai para o lado de que “se sabia” disso, de que havia “sinais” indicativos. Isso quando não há o dedo de algo “divino”, comumente para ajudar! Avaliação retrospectiva, nesse sentido, é algo que eu não dou o menor valor.

Então, é uma fantasia a ideia de que se vá voltar de uma decisão do instante insano? Sim e não. (Típica resposta de psicanalista, né!). Não é, porque parece ser um costume pensar que se vai repensar sem o “calor do momento”, esse tipo de coisa; mas é sim, porque, como já disse, é irreal o intuito de desfazer um ato.

Portanto, é a melhor opção decidir no instante da insanidade ou deixar para depois? Depende do contexto né... A única certeza é que não se volta. E a escolha vai ser boa? Simplesmente não conseguimos saber do futuro. Pelo menos não do jeito que, às vezes, fingimos saber...

 

 

Julho, 2025.


[1] Tem um vídeo sobre a validade desses artigos no meu canal no YouTube: https://youtu.be/sNZuUUP2KEc





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