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  • Foto do escritorJuliano Corrêa

A noite mais feliz da minha vida


Quem me lê, sabe que sou dramático; também sabe da minha questão com títulos, de querer criar bonitos, querer impactar, e nem sempre serem exatos ao que eu escrevo, pois podem ser um exagero. Este é mais um caso desses: tenho alguma dúvida se foi a noite mais feliz... mas é uma principal concorrente.

The Police, banda formada por Sting (vocal e baixo), Andy Summers (guitarra) e Stewart Copeland (bateria), surgiu em 1977, em pleno no “movimento” punk, ainda que eles fossem muito mais que isso, com uma mistura tão peculiar que torna, por vezes, difícil de classificar seu estilo. Sua existência foi meteórica: primeiro disco foi lançado em 1978 e o último em 1983, quando atingiram o auge do sucesso comercial e da crítica, tornando-se a maior banda do mundo da época. Terminaram, também pelas várias brigas (musicais) entre os membros, no topo.

Eu conheci o Police depois que a banda já não mais existia. Minha irmã tinha dois LPs: o de Singles, que foi lançado pouco depois do fim da banda, e o quarto deles, Ghost in the Machine, que é o meu preferido. Identificação foi o que aconteceu. Fui comprando todos os discos, pirateando os três vídeos que existiam em fitas VHS (havia uma loja no centro de Porto Alegre que fazia isso, era o paraíso): um sobre a turnê mundial de 81/82, na qual eles fizeram dois shows no Rio; outro, de uma apresentação na Austrália, da ultima turnê; e o ultimo de clipes. Eu os assistia sem parar! Eu tinha quadros do Police no meu quarto, revistas, tudo que eu conseguia ter aceso (não existia internet, crianças...). Meu grande sonho, como você pode facilmente imaginar, sempre foi assistir a um show do Police; poderia ter visto algum do Sting (nunca fui), teria sido muito legal, mas não é a mesma coisa. Ainda que eu o adore, meu esquema é com o Police mesmo!

Eu nunca tive esperanças. Em várias entrevistas, Sting era bem enfático (de forma muito calma, que é a pior – ou melhor – forma de ser enfático) sobre não ter a mínima vontade de reunir banda. Isso tem muito a ver com a sua característica “não nostálgica”, de não querer reviver o passado, como já destaquei em uma crônica anterior:[1] ele seguiu em frente. Era uma pena: os três ainda completamente em forma, era só eles quererem.

Qual foi a minha surpresa quando me avisaram que eles haviam tocado na abertura do Grammy em 2007, e que estavam voltando. Não acreditei. Procurei (já havia internet) e encontrei o vídeo. Sting, à frente da banda, dizendo: “ladies and gentlemen, we are The Police and we’re back!”. Aquilo foi uma coisa assustadora de tão boa! Vi a coletiva/show de imprensa que deram no dia seguinte: era tudo verdade. Estava fazendo 30 anos do início da banda, e pensaram (o que é verdade) que nunca haviam se despedido adequadamente dos fãs, então, chegara a hora de fazer. Desde este momento, eu pensei: eles vão fazer uma turnê mundial, certamente virão ao Brasil; eu vou! Absolutamente nada importa: eu vou! Porra, esperei a vida inteira por isso! Logo vi as datas da turnê: 08 de dezembro de 2007, Maracanã, Rio de Janeiro. Nada me impediria de ir nesse show.

Eu havia recém começado a dar aula na UNOESC no começo daquele ano. Início de dezembro ainda havia atividades a serem feitas. Eu lembro de ir conversar com a coordenadora do curso de psicologia, a Lisandra, que é minha amiga querida, mas que mal nos conhecíamos naquela época. Expliquei a situação, e disse que ia no show independentemente de qualquer coisa, que eu podia ser demitido, o que fosse, não me importava. Ela riu, achou que era brincadeira; nunca falei tão sério na minha vida. Teve, de fato, uns “empata-foda” que ficaram em recuperação (chamava-se G3 ou G2 na época, não lembro) numa aula que eu dava fora do curso de psicologia (quase todas eram fora do curso, era um inferno), tenho quase certeza que era Jornalismo. Uma professora da qual eu gostava muito aplicou as provas para mim, algo que não era muito bem visto, principalmente para que estava começando, mas, de novo, o show do Police era muito mais importante do que a minha “carreira acadêmica”! Eu estava, literalmente, numa batida de “foda-se o resto todo”.

Havia o principal: comprar o ingresso. Eu e um amigo ficamos em contato para comprarmos pela internet quando as vendas começaram. Claro que não conseguimos. Aí começou a luta. Eu queria o ingresso “VIP” (que era o que ficava na pista, na frente do palco), caro pra caralho! Mas o problema não era o dinheiro, que eu não tinha: eu tranquilamente venderia minha geladeira, minha TV, dormiria na rua, isso de dinheiro eu veria depois! O importante era ir! O pavor terrível era que esses ingressos esgotassem, e isso me consumiu por alguns dias. Em desespero, mandei uma mensagem para um grande amigo, agente de viagens (o Alê, ele sempre faz questão que eu cite seu nome, pois ele quer ser famoso), pedindo ajuda: falei do show, que eu tinha de ir, que ele tinha de me ajudar, que eu ia morrer, etc. Coincidentemente, era aniversário dele. Ele me contou que quando viu minha mensagem, pensou: “pô, que legal, Juliano lembrou do meu aniversário”. Que nada! Eu só queria saber do Police!

Finalmente, eu vi que a TAM (o nome era assim na época) tinha um pacote: passagem aérea, hospedagem, traslado de ida e volta para o estádio e, o primordial, o ingresso. Era absurdamente caro. Azar! Eu entregaria a minha vida, venderia minha alma pro Diabo depois do show se esse fosse o preço. No fim das contas, o pacote da TAM era uma merda: o hotel era bom, no meio de Copacabana, mas eu conseguiria um (o que mais tem em Copacabana é velho, cachorro e hotel! É impressionante) tão bom quanto e mais barato; a passagem eu também poderia comprar sozinho; o traslado simplesmente não existiu! Nada disso me chateou, pois eu estava pagando pelo principal: o ingresso!

O show foi num sábado; cheguei na sexta e já fui correndo buscar meu ingresso: sim, tinha de retirar o ingresso em um shopping, eu tenho quase certeza que era na Tijuca. Peguei um táxi e paguei alguns milhões, pois era bandeira 2 todo o mês de dezembro (não existia Uber!). Cheguei lá e... não estavam com meu ingresso, disseram que só no dia seguinte. Eu já comecei a ficar a muito nervoso. À noite, fui numa festinha em um albergue bem perto do hotel, onde aquele meu amigo dos ingressos estava. Achei o máximo ir a pé, à noite, no Rio de Janeiro (ainda faço, mas com consciência), mas não sem antes me informar na portaria do hotel: o cara me disse que não teria problemas porque eu não parecia turista, e também porque a correntinha que eu usava na época não era de valor (era sim! Era de ouro branco, mas como não chamava a atenção, ele me tirou para chinelo).

No outro dia, dia do show, fui-me logo de manhã ao shopping novamente (desta vez, informei-me novamente com os caras da portaria, e fui de metrô, gastei umas 38 vezes menos que no dia anterior). Fui com pavor e ódio ao mesmo tempo, pensando: se não estiverem com meu ingresso, eu vou quebrar tudo! (Ainda que isso não me colocasse no show... mas eles não tinham ideia do tipo de pessoa com quem estavam lidando naquela situação). Mas estava lá, tudo certo! Almocei por lá mesmo, e foi um almoço delicioso, pois tinha o gosto da realização. À tarde eu fiz um lanche numa dessas casas de suco que têm em cada esquina aqui, achado o máximo lanchar na rua no Rio com um velho de sunga passando ao meu lado na maior naturalidade (confesso que ainda frequento e gosto muito! – não pelos velhos de sunga). É diferente para alguém que havia vivido sempre em Porto Alegre se deparar com esta nova cultura (que é bem mais brasileira mesmo); alguns podem não gostar, ficarem assustados, mas, para mim, sempre deu a sensação de liberdade.

No fim da tarde, desci para o saguão do hotel para esperar a porra do transporte da TAM. Havia três caras no bar, uns paranaenses, enchendo a cara, que também tinham comprado o mesmo pacote que eu. Juntei-me a eles, queriam que eu bebesse. Tá louco? Vou ir bêbado para o show do Police? Claro que não! Não sei se é porque já estavam bêbados (um deles estava muito!) ou porque tinham atitude (que eu não tenho), mas quando reclamamos que estava demorando nosso transporte, um deles disse: nós estamos em quatro, vamos rachar um táxi e ir por conta própria. Perfeito! Logo que entramos no Maracanã eu me perdi, propositalmente, deles (o que estava já super bêbado havia perguntado para um flanelinha se era jogo do Vasco naquele dia, de brincadeira claro – eu acho): eles não eram fãs de verdade. Com efeito, pensando hoje, eles eram normais, só não eram loucos como eu. Anyway. Tirei vantagem de ir sozinho: várias pessoas já estavam lá (inclusive a Carolina Dieckmann kkkkkk), e guardavam seus lugares sentadas no chão (não ela, claro). Pois eu fiquei de pé, olhando pra cima, fingindo não querer nada, e fui dando micropassinhos. Resultado: na hora do show, estava na grade, exatamente na frente do Sting! Não poderia ser melhor. Os Paralamas do Sucesso abriram o show. É uma banda que eu gosto bastante, mas naquele momento eu queria que eles fossem para o inferno! Não cantei, muito menos pulei, como um monte de gente, nenhuma música: tinha de guardar as energias.

Enfim o momento que eu achei que nunca aconteceria: Andy Summers toca as primeiras notas de “Message In A Bottle”, e o baixo de Sting pulsa no peito (isso não é metáfora pra ser bonita: em um show desse tipo – e onde eu estava – a gente realmente sente o baixo pulsar no corpo!). Um amigo, que viu o vídeo que gravei deste início do show, disse que eu soltei um grito gutural. Acho qeu ele tinha razão: o grito estava contido há anos! Foi uma loucura completa: eu não sabia se assistia, se pulava, se gritava, se filmava; fiz tudo ao mesmo tempo! Maior parte do tempo eu não acreditava onde estava, no que estava vendo e ouvindo.

A minha música preferia do Police sempre foi “Every Little Thing She Does Is Magic” (que eles tocaram!), do meu disco preferido; porém, desde a véspera, não sei porque, eu estava nervoso para a execução de “Every Breath You Take”. É, de longe, a música mais famosa. Hoje, é criticada por ser música de stalker. Isso tem lá sua razão, mas é interessante que Sting mesmo, o autor da música, nunca a considerou uma música romântica; já disse em entrevistas que ficava muito intrigado das pessoas a tocarem em casamentos, por exemplo. Eu sabia que ela ficaria para o fim.

Após terminar o show com “Roxanne”, voltaram para o bis com “King Of Pain”, que é uma canção especial. Numa reportagem da revista Rolling Stone daqui da época (comprei todas as revistas! Esta, inclusive, fui lendo no avião), o repórter escreve que essa música, por causa da melodia, mas principalmente por causa da letra, diferencia muito o Police de qualquer outra banda dos anos 1980. Eu concordo plenamente. Tocaram uma versão maravilhosa de “So Lonely”, meio “xodó” meu (era a música que encerrava o show na Austrália em 1984 que eu vi incansavelmente na minha fita de VHS pirateada), com Sting e Andy Summers fazendo uma jam juntos, no solo do segundo.

Aí veio “Every Breath You Take”, e foi o momento mais emocionante mesmo, até por ser a última música (antes do segundo bis, para encerrarem com “Next To You”, a primeira música do primeiro disco). A melodia é linda, aqueles acordes com a nona que Sting usava em outras músicas também, e que fazem gente como eu, que toca mal, quase ter uma distensão na mão, ele apresentando a banda, aquele fim apoteótico.

Quando terminou, eu estava em êxtase. Não queria mais saber de nada! Encontrei os paranaenses (!), e fomos tentar ir embora: um inferno! Como tudo para este show (incluindo o dinheiro), eu só planejei a ida, nada da volta! Os poucos táxis que encontrávamos estavam todos comprometidos (e nenhum outro iria se meter no Maracanã naquela situação), e aquele mar de gente saindo do estádio (umas 70 mil). Eu não sei como (não estava raciocinando, a única coisa que fiz foi comprar duas garrafas de água e beber como se minha boca fosse terra seca), mas fomos até um posto no qual tinha uma daquelas vans (realmente eu não sei se eram ilegais naquela época) que te levavam por um preço mais camarada. Os paranaenses que fizeram tudo, eu fui só no embalo. Descemos na avenida Atlântica na altura do nosso hotel (que não era ali, obviamente), e acabei jantando com eles em um bar. Nisso, aquele meu amigo me ligou e disse que estava com um pessoal em um bar na tal avenida (que é a beira-mar de Copacabana, para quem não sabe). Claro que fui. Ficamos bebendo e falando sobre o show (todos ali tinham ido), com o barulho do mar e o cheiro da maresia, outra coisa que adoro até hoje, até quase três da manhã. Naquela época, eu nunca imaginaria que viria a morar aqui, ainda que tivesse vontade.

Na volta, fiquei com vergonha de pegar um táxi (já tinha pegado na ida), pois o hotel era umas três ou quatro quadras para dentro do bairro. Como estava extremamente feliz e meio bêbado, fui a pé. A ideia era: cara, se me roubarem ou me matarem, tudo bem, pois eu acabei de ver o Police ao vivo! Fiquei encantado de poder fazer isso às 3h da madrugada tranquilamente, com pessoas na rua, bancas de revista abertas. Eu não recomendaria fazer isso aqui a essa hora, mas eu ando a pé sim à noite (não de madrugada) de um jeito que não ando em Porto Alegre, por exemplo. Dia seguinte, dividi um táxi para o Galeão com uma guria que estava no bar na noite anterior e iria no mesmo voo; eu havia combinado com o taxista que peguei quando cheguei. No caminho todo, ele me chamava de “Lúcio”. Uma hora, ela perguntou baixinho para mim: “ele está te chamando de Lúcio?” Eu só fiz sinal para ela deixar pra lá: ele podia me chamar do que quisesse, eu tinha ido ao show do Police!

Foi muito difícil encontrar uma foto para ilustrar esta crônica: todas estão tremidas! Você pode ver isso no vídeo que estou colocando abaixo também. Claro, o equipamento não era bom (era uma máquina que peguei emprestada da minha prima, celulares ainda não tinha qualidade para isso), mas era eu que não conseguia focar.

Qual é a mensagem desta crônica? “Nunca desista de seus sonhos”? “O inesperado pode acontecer”? Bom, as crônicas que eu escrevo aqui não são como episódio do He-Man, que tinha sempre uma moral da história no fim. Só escrevo coisas que sinto vontade de falar. “Simples assim”.

Neste caso, o sonho realizado não dependia só de mim, ainda que eu tive a sorte de poder ir, ter algo para vender ou emprego a perder (nada disso foi necessário no fim das contas), quando a maioria das pessoas não têm emprego e, muito menos, coisas para vender. Mas me agrada a ideia do inesperado que pode acontecer, porque pode mesmo; é improvável, mas pode. É o acaso que “dá conta” disso. Foi assim que eu pude ver um show da “minha” banda. Da mesma forma como eu ter vindo morar no Rio de Janeiro, uma cidade que eu sempre adorei, mas nunca imaginei que viria a viver nela. Ainda mais da maneira que ocorreu, totalmente improvável. E acabei reativando essas lembranças mais de dez anos depois no “mesmo” lugar.


Fevereiro, 2023.




Este é o show completo. Há lista das músicas na descrição, então você pode ver momentos que eu falei. Sou suspeito, mas é um show maravilhoso. Eu reclamei durante muito tempo que a filmagem não focou o público, pois aí eu teria aparecido: estava bem na frente! Mas eu estava lá. Dá até para comparar com o meu vídeo da parte de “Every Breath You Take”!




Este é o vídeo que fiz, dentre tantos outros, da parte final de de "Every Breath You Take". O som e a imagem, como já disse, são ruins, mas a emoção é tremenda! Dá até para ouvir eu gritando!




Eu depois do show, ainda no Maracanã (com as duas camisetas que comprei lá!). A cara não parece muito feliz, mas é porque eu estava extasiado...




Dez anos depois, eu vi um show (caça-níquel) do Andy Summers em Porto Alegre. Ele autografou minha camiseta que comprei no Maracanã em 2007. Abaixo, tem foto de quando ele estava assinando minha camiseta e o resultado.








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